Aprovada, lei que permite postos em mercados do DF não saiu do papel
Texto foi sancionado há 13 meses, mas empresários não desenvolveram projetos; setor culpa crise e burocracia. Responsável pelo licenciamento, Ibram não recebeu nem consultas informais nesse período.
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Carro sendo abastecido
Resucitada, defendida e aprovada em 2015 como uma forma de combater o suposto cartel instalado no Distrito Federal, a lei que autoriza a instalação de postos de combustíveis em estabelecimentos comerciais caiu no esquecimento. Passado mais de um ano, até esta segunda (20), o governo do DF não tinha recebido uma única consulta dos empresários do setor.
A lei foi sancionada em 13 de janeiro de 2016, e autoriza a instalação de bombas de combustível em mercados, shoppings, concessionárias e garagens, entre outros comércios de grande porte. O processo burocrático começa pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), mas nada foi protocolado no órgão. Questionados pelo G1, representantes do setor listam a crise, a burocracia e o receito de uma "reviravolta" como motivos para a desistência.
"Nós queríamos [a liberação], e isso era evidente. Empresas chegaram a montar postos, mas foram impedidas de operar. Com a espera, acabou-se mudando o planejamento. Um outro projeto entra na cabeça, outra forma de ocupar aquele espaço", diz o presidente do Sindicato dos Supermercados e da Associação de Supermercados de Brasília, Antonio Tadeu Peron.
Autor do projeto que defendia a liberação – e responsável pelo bate-boca que levou à aprovação do texto –, o distrital Chico Vigilante (PT) se disse "surpreso" com a informação de que os projetos não avançaram. Ele reconhece que houve um lobby intenso dos empresários para a flexibilização das regras, e diz temer que o cartel volte a se reagrupar.
"Eles [os donos de mercados] diziam que tinham interesse nos postos. Como o ramo deles não é esse, a ideia não era dar lucro, mas ter o posto como atrativo para o freguês. Como a disputa entre eles está grande, porque a cada dia abre-se mais mercados em Brasília, era para estarem com esses projetos em andamento", diz.
Vigilante afirmou à reportagem que iria procurar o setor para conversar, e tentar entender os motivos da paralisia. Enquanto isso, arriscou palpites que coincidem com os argumentos do sindicato: as iniciativas esbarraram no medo da burocracia, na crise econômica e na falta de um bom planejamento empresarial.
Papelada
Responsável pela Coordenação de Empreendimentos Industriais e Postos de Combustíveis do Ibram, Charles Dayler diz que o órgão tem uma "política de portas abertas".
"Um empreendedor que tem dúvidas, quer esclarecer algo, poderia ter vindo à gerência. Nenhum empreendedor, desses contemplados pela nova legislação, nunca nos procurou", declara.
Em anos anteriores, quando a instalação era proibida por lei, vários pedidos foram feitos e indeferidos. "Instalar um posto não é barato. Considerando a crise, o pessoal deve estar priorizando outros investimentos", afirma Dayler. Nem ele, nem o sindicato, nem Vigilante quiseram estimar o custo médio desse tipo de empreendimento ao G1.
A lei sancionada pelo governador Rodrigo Rollemberg submeteria os novos postos à mesma legislação que já se aplica às bombas tradicionais. Na prática, isso se traduz em uma série de documentos, projetos, plantas, certificados, taxas, relatórios e registros. Antes de começar a funcionar, o posto precisa de licença prévia, licença de instalação e licença de operação.
O processo segue um raciocínio lógico, mas difícil de ser cumprido. Trocando em miúdos, a licença prévia indica que o lote tem condições de receber um posto, e já estabelece algumas medidas ambientais preliminares; a licença de instalação aprova o projeto de engenharia, liberando o início da construção; e a licença de operação confirma que as estruturas estão em conformidade com a lei e podem funcionar. Essa última precisa ser renovada a cada 4 anos.
Para que o Ibram emita esses três documentos, o empresário precisa entregar laudos e declarações do Corpo de Bombeiros, da administração regional, da Adasa, do Inmetro e da Agência Nacional de Petróleo (ANP), entre outros. Responsável pelo setor que analisa todo esse dossiê, Dayler preferiu não estimar o prazo médio entre o início da tramitação e a "estreia" de um posto no mercado.
Contexto desfavorável
Distrital de vários mandatos, Vigilante já tinha tentado derrubar a barreira aos postos em mercados em legislaturas anteriores. O projeto apresentado em fevereiro de 2015 passou oito meses parado na Câmara Legislativa, e só avançou depois que cinco empresários dos postos "convencionais" foram presos na operação Dubai, da Polícia Federal.
Para evitar questionamentos na Justiça por "vício de iniciativa" – quando o tema é proposto por alguém que não tem essa prerrogativa –, o Palácio do Buriti elaborou texto similar, enviou à Câmara e conseguiu a aprovação. O texto também alterou o pagamento da "outorga onerosa de alteração de uso" (Onalt), taxa paga quando o empresário quer incrementar o uso de um lote comercial.
"Ninguém está investindo nada no Brasil e o governo, ao invés de ajudar, atrapalha, através do próprio Ibram. Esses órgãos de meio ambiente deveriam ter o mínimo de noção, facilitar a licença prévia e a emissão do Onalt", diz Vigilante.
Representante dos empresários, Tadeu diz que os projetos, se existirem, estão tramitando em "câmera lenta". "Poderão até vir em algum momento, mas ninguém está afoito. Há lojas que tinham estrutura para um posto, como o Carrefour no fim da Asa Norte, mas ao invés de expandir, acabaram fechando as portas, em crise".
E o cartel?
A operação Dubai foi deflagrada em novembro de 2015, e apura prejuízos da ordem de R$ 1 bilhão. Segundo a PF, o cartel de empresários do ramo de combustíveis atuava no DF há pelo menos dez anos, combinando preços de álcool, diesel e gasolina.
Controladora de 30% do mercado de combustíveis do DF, a rede Cascol sofreu intervenção de 180 dias, renovada em outubro por igual período pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Questionada pelo G1 à época, a Cascol não quis comentar o caso.
As investigações da PF, do Cade e do Ministério Público mudaram o cenário dos preços no DF, onde o motorista pagava uma das gasolinas mais caras do país. O valor médio chegou perto de R$ 3,80 em dezembro de 2015 e, na última semana, era de R$ 3,72 (segundo dados da ANP). No mesmo período, a maioria das capitais registrou aumento no preço do litro.
O caso ainda é investigado pelo Cade em um inquérito administrativo, que não tem data prevista para conclusão. Em nota, o conselho informou que "ainda aguarda a remessa formal, pela Polícia Federal, do material apreendido, que ainda se encontra em fase de tratamento pela autoridade policial".
O tema ainda deve ser alvo de um processo administrativo, que receberá parecer da Superintendência-Geral do Cade e será julgado pelo tribunal do conselho. Os gestores podem ser submetidos a multas, proibição de contratação com o poder público e veto a benefícios e isenções.
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