Negócio selvagem
O proprietário da empresa que ganhou a concessão para explorar área dentro do Zoo Brasília tenta liberar projeto com a força do cargo que ocupa no GDF
A entrada do espaço de lazer da capital: as obras previstas não foram realizadas
Trata-se de uma regra básica: onde tem galinha, não é aconselhável a presença de raposa. Neste caso, no entanto, a preocupação atinge muitas outras espécies de animais. O proprietário da empresa que, em 1997, ganhou uma concorrência pública para ocupar 48 hectares do Zoo Brasília (o equivalente a 34,53% da área total) está em franca ingerência para retomar esse projeto, mesmo diante de uma flagrante quebra de contrato. Pelo acordo, o pedaço tomado dos bichos seria transformado em um parque nos moldes dos complexos de lazer de Orlando, nos Estados Unidos.
O problema é que nenhuma das contrapartidas exigidas pela concessão pública se cumpriu e o projeto nunca foi levado adiante. Agora, o empresário por trás da história tem uma vantagem para resolver a questão. Jânio Rodrigues dos Santos alia a condição de sócio-administrador da TH Engenharia e Comércio Ltda., a concessionária envolvida no caso, ao cargo de assessor sênior na Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab). Trata-se do braço operacional da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) do governo do Distrito Federal (GDF).
Até agosto, Santos era o subsecretário da pasta, subordinado a Geraldo Magela (PT), deputado federal licenciado. Esse órgão é responsável, por exemplo, pela elaboração do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília. De autoria do Poder Executivo, o projeto foi enviado à Câmara Legislativa no último dia 26 e exibe um capítulo referente ao uso e à ocupação do zoológico. Ou seja, Santos está com a caneta de gestor público muito próxima de uma seara de seu interesse privado, sobreposição que, além de imoral, é vedada pela Lei Federal nº 11784, de 2008. Segundo a regra, quem ocupa função pública não pode administrar empresa.
A despeito da norma, Santos tem atua-do para desembaraçar seus negócios, que, consumados, causariam grande impacto a milhares de frequentadores do zoológico. Sem falar, é claro, nos bichos. O naco que a TH Engenharia pretende ocupar abrange o Hospital Veterinário e uma área hoje usada para o plantio de grama e de milho, base da alimentação de mais de 1 000 espécimes de animais.
A zona de plantio: da boca dos bichos para a especulação (Foto: Joédson Alves)
A iniciativa de firmar acordo para a privatização de um pedaço do Zoo Brasília partiu do governo Cristovam Buarque e atravessou outras cinco administrações sem nunca ter sido executada. Documentos obtidos por VEJA BRASÍLIA indicam que, catorze anos depois de ganhar a concessão, o dono do empreendimento enxergou uma oportunidade de resolver suas pendências.
Em ofício assinado por Santos no dia 17 de fevereiro de 2011, uma semana antes de tomar posse na Sedhab, o empresário pediu providências ao diretor-presidente da Fundação Jardim Zoológico de Brasília, José Belarmino da Gama Filho, para que a área fosse desocupada. “Viemos solicitar providências da administração desta fundação no sentido de proceder à demarcação da área concedida”, dizia o documento. Deve-se ressaltar que, nessa época, Santos ocupava assento no conselho deliberativo do próprio zoológico. Logo depois, perdeu esse posto. “Achamos inconveniente que ele continuasse”, afirmou Gama Filho.
O diretor-presidente do zoológico é contra a desapropriação da área em prol da TH Engenharia. Nenhuma das benfeitorias previstas no contrato de concessão foi realizada. Entre as obrigações, estavam programadas obras de construção ou implementação de clínica veterinária, cozinha para animais, horta, pomar, tanques para a criação de peixes, fazendinha, centro de reprodução do lobo-guará, espaço de estudos da vida silvestre e uma reforma da portaria.
Volumoso, o processo sobre o negócio do zoológico já passou pela Secretaria de Meio Ambiente, pelo Instituto do Meio Ambiente e pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), dona da gleba onde está a morada dos animais. Mas, segundo a assessoria de comunicação da Terracap, os documentos foram remetidos à Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Seduma), que, em 2011, teve a sigla alterada para Sedhab, na qual Santos trabalha. Em 2008, a procuradoria da Terracap emitiu parecer no qual constata a inadimplência da TH Engenharia em relação à contrapartida na concessão do terreno do zoológico. No documento, foi indicada a rescisão do contrato, algo que não ocorreu.
A partir daí, o assunto passou a ser investigado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Jânio dos Santos disse que sua primeira medida ao assumir o cargo no governo foi se desvincular da administração da TH Engenharia. Mas uma certidão da Junta Comercial de 9 de outubro informa que ele permanece como sócio-administrador da firma.
Jânio dos Santos: “Até converso com um ou outro do governo” (Foto: Joédson Alves)
O dublê de empresário e atuante servidor público negou que tenha tratado de assuntos empresariais em cargos de confiança no GDF. Ao saber dos documentos do processo obtidos por VEJA BRASÍLIA, fez uma retificação: “Até converso com um ou outro do governo sobre o assunto, é natural. Estou fora da administração da empresa, mas não alienado”.
Santos diz que nunca pôs dinheiro no zoológico porque não encontrou quem topasse fazer um investimento de 100 milhões de dólares. Nos bastidores, fala-se que a área cedida do zoo, na verdade, está cuidadosamente reservada para especulação imobiliária e construção de hotéis de luxo. Com interesses tão vultosos em jogo, seria prudente, nesse caso, afastar os amigos da onça.
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