Brasiliense se prepara para enfrentar o problema, de novo
Com a chegada de dezembro, aumenta o número de pedintes que aproveitam o espírito natalino para angariar doações de todos os tipos e tomar as ruas da cidade
A aproximação do período natalino gera expectativas, também, de um problema recorrente verificado no decorrer dos anos em Brasília: o aumento do número de pedintes nas ruas. A situação reflete uma via de mão dupla, uma vez que a capital federal detém um dos mais elevados PIB per capita do país e se apresenta entre as maiores economias brasileiras, mas também reflete as maiores desigualdades sociais da Nação.
A Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) disse desconhecer dados que configurem essa realidade de aumento de pessoas nas ruas e admite não ter ainda um planejamento específico para lidar com a causa, visto que trata-se do primeiro ano da atual gestão.
No entanto, os prefeitos das quadras residenciais e comerciais denunciam o problema e buscam conscientizar os moradores para evitar doações desordenadas a fim de não criar um ciclo vicioso que torne mais difícil de controlar. Segundo a prefeita da 416 Norte, Leomizia Pereira, por se tratar de uma quadra tradicional, há muitos anos os moradores aderiram a uma consciência coletiva de não doar para evitar que os moradores de rua se instalem na quadra.
Período natalino atrai pessoas de outros estados para o DF, em busca de doações das pessoas que se sensibilizam com a época
“A gente sabe que toda vez que há uma evolução, uma quadra prospera, o povo de rua vem junto e nem sempre são mendigos porque muitos deles têm residência, mas eles vêm para cá em busca de ter uma vida mais fácil. Só que na 416 Norte nós conscientizamos as pessoas a não doar nada, então como não existe doação a mendicância cai”, destaca. Ela conta que, por não haver receptividade na área residencial, as pessoas em situação de rua ficam concentradas debaixo da Ponte do Braguetto ou nas proximidades do supermercado Extra, para buscar coisas que são jogadas no lixo pelo estabelecimento.
Um dos problemas denunciado pelos moradores de Brasília é que os restaurantes distribuem comida após os horários de almoço, tornando um atrativo para os pedintes.
O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Clayton Machado, nega que essa prática seja comum, visto que ela oferece inúmeros riscos aos comerciantes. “Eu não vou dizer que nenhum dono de restaurante faça isso, mas se existe, deve ser uma minoria. O que a gente vê acontecer é o cliente estar no restaurante e pagar uma quentinha para esse pessoal que está pedindo”, comenta. O dirigente sindical destaca que é feito um trabalho constante dos donos de restaurantes junto aos clientes para evitar a atitude porque, na maioria das vezes, o pedinte quer é dinheiro.
Outro risco que os donos de restaurante, em sua maioria, têm consciência é quanto ao alimento mal armazenado. “Muitas vezes a pessoa não come no mesmo dia o alimento que você deu, daí ela guarda para o dia seguinte, em um ambiente sem refrigeração, em qualquer lugar, depois a pessoa come e passa mal. Quando essa pessoa é atendida no hospital vai dizer em qual restaurante comeu e a fiscalização vai ao restaurante”, explica. Clayton acrescenta ainda que os donos de restaurantes também sabem que ao doar comida, aqueles que recebem num dia avisam para outras pessoas e corre o risco de fazer fila na porta do estabelecimento.
Pedir e doar são direitos
Para o sociólogo da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros, é imprevisível a vinda de pessoas de outras cidades para mendigar em Brasília, mas essa situação está baseada no direito de ir e vir, fundamental da pessoa humana. Ele destaca que, da mesma forma que é um direito pedir, também doar é opcional, mas em meio a essa relação, o que deve ser observado é a garantia dos direitos das crianças que não podem ser usadas pelos pedintes e aí entra a ação do poder público e da sociedade para protegê-las.
Para Faleiros, houve, na história da humanidade, uma confusão entre mendicância e bandidagem. “Os bandidos se refugiam no tráfico de drogas ou no tráfico de influências, então a presença dessas pessoas na rua é a expressão de uma necessidade e não de uma bandidagem”, aponta. Ele acredita, no entanto, que com a melhoria de vida proporcionada pelos programas sociais que fornecem auxílio (bolsas) às famílias mais carentes, principalmente no Nordeste, esse fluxo tem reduzido.
Faleiros destaca que Brasília é uma cidade tradicionalmente de migrantes, “e de poderosos também”, então é sempre atraente. “Eu acho que a tendência, hoje, com a política do bolsa família, que melhorou as condições de vida de muitas pessoas, é de diminuir essa migração, mas como o Natal é uma época que desperta um certo humanismo nas pessoas, esse clima também atrai essa migração”, observa.
Faleiros ressalta que as pessoas que pedem nas ruas evidenciam o Brasil desigual e isso é uma situação que incomoda especialmente à classe média. “Eles querem a higienização da cidade. Então acham que o pobre está poluindo a cidade e esquecem que o carro é que polui e não o pobre. O pobre não pode ser negado, se ele não tem uma roupa Channel (marca famosa) para andar na rua, ele vai andar com a que tiver, mas ele tem o direito de andar”, analisa.
Para o sociólogo, o aumento do número de pedintes nas ruas por ocasião dos festejos de Natal é um momento importante para discutir uma mediação institucional que garanta, sobretudo, o direito à comida que é um direito básico, o direito à vida.
Ajuda da sociedade
A presença de mendigos nas ruas geralmente destaca também a presença “involuntária” das crianças, que muitas vezes são usadas como recurso para despertar a solidariedade nas pessoas.
O ordenamento jurídico brasileiro defende o direito da criança e do adolescente como prioridade absoluta. A Constituição Federal, em seu artigo 227, prevê que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, entre outras coisas, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A conselheira tutelar Vivian Nobre destaca que é preciso a participação da sociedade na denúncia dos casos de violação de direitos de crianças e adolescentes. Ele atenta que, ao identificar a situação, a pessoa pode acionar órgãos competentes no assunto discando para o número 100.
Quadras 700 estão mais expostas
Nas quadras 700, o problema de mendicância é ainda mais gritante pela proximidade com a área central e de comércios. Muitos moradores reclamam que os pedintes batem nas portas e, muitas vezes, quando não são atendidos agridem as pessoas verbalmente. Uma moradora reclama que uma parcela de culpa é dos próprios moradores, visto que criam uma situação de expectativa. “As pessoas batem na porta e eles dão, depois quando não querem dar, os pedintes se revoltam, gritam e ameaçam os moradores da quadra. As 700 são famosas nessa situação”, conta a moradora que não quis se identificar. Ela reclama que não há uma ação efetiva do governo, no Plano Piloto, para o acolhimento dessas pessoas.
A prefeita da Quadra 704 Sul, Lohir Machado, afirma que frequentemente é feito um trabalho de conscientização dos moradores por meio dos informativos da quadra. Ela conta que a orientação é no caso de doação, que esta seja feita a uma instituição ou a uma igreja, pois assim os donativos são melhor direcionados e não fomenta essa cultura de mendicância de porta em porta.
Lohir destaca que a situação na quadra já foi muito mais complicada, mas com a instalação do posto policial comunitário, de vez em quando é feita ronda, o que inibe mais a atuação dos moradores de rua. Ela reconhece, no entanto, que a presença de pedintes aumenta consideravelmente no período que antecede o Natal, especialmente nas proximidades de supermercados e estabelecimentos comerciais. Ela ressalta, no entanto, que o problema não é só do Plano Piloto, pois em Sobradinho, onde reside parte de sua família, já estão sendo armadas barracas de pessoas em situação de rua nas proximidades dos supermercados. “Muitas vezes não é gente de situação de rua. Têm pessoas que vêm das cidades-satélites ou do Entorno e passam a semana como pedinte aqui em Brasília e nos fins de semana voltam para suas residências com dinheiro e a feira”, observa.
A moradora acredita que muitas dos pedintes se aproveitam da boa fé e até mesmo de uma certa “culpa” que as pessoas têm de estarem em melhor condição financeira.
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