Noroeste: o sonho ecológico que ainda não virou realidade
Só agora o bairro começa a se consolidar, embora em moldes bem diferentes daqueles prometidos no início da comercialização
Foto: Igo Estrela/ObritoNews/Fato Online
O bairro começou tendo um dos metros quadrados mais caros do país
Aos trancos e barrancos, o Noroeste, último setor habitacional a ser construído na área tombada de Brasília, nasceu. Com o preço do metro quadrado dos imóveis comparado ao das áreas mais valorizadas do país, o badalado bairro candango começa a se consolidar, embora em moldes bem diferentes daqueles prometidos no início da comercialização.
O surgimento do Noroeste era uma das principais metas impostas pelo então governador José Roberto Arruda, preso em 2009 acusado de participar de um suposto esquema de corrupção. Arruda queria fazer história tirando do papel o projeto idealizado pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa. Para tanto, aproximou-se dos principais construtores da cidade e logo conseguiu criar um glamour sem precedentes em torno de um futuro setor.
Até a saída de cena do político do DEM, o bairro era vendido como o mais sustentável e ecológico do Brasil. Quando concluído, esbanjaria alta tecnologia e infraestrutura de primeiro mundo.
Estudo de caso
O teor das promessas transformou o Noroeste em um estudo de caso do mercado imobiliário nacional, chamando a atenção de todas as grandes incorporadoras do país. As vendas a toque de caixa nos primeiros lançamentos, e a preços exorbitantes, surpreenderam investidores. Quitinetes chegaram a ser vendidas por meio milhão de reais. E, no caso de unidades comerciais, o valor do metro quadrado encostou em assustadores R$ 18 mil.
Com a crise política no Distrito Federal após a queda de Arruda, a valorização dos futuros empreendimentos perdeu força e o projeto do bairro entrou em banho-maria. Na gestão do governador Agnelo Queiroz (PT), a Terracap (Agência de Desenvolvimento do DF), agente financiadora das obras de infraestrutura do local, deu continuidade à venda dos lotes da primeira etapa: cada um valendo, em média, R$ 18 milhões. No entanto, o desenvolvimento do setor habitacional empacou.
A partir de 2012, com o arrefecimento do crédito e o disparate entre oferta e demanda, a crise do mercado em geral atingiu em cheio as pretensões de, enfim, fazer nascer o Noroeste. O governo local deixou o bairro de lado, e as construtoras precisaram alugar caminhões-pipa e geradores de energia para tentar concluir as obras nos prazos previstos em contratos. Apesar do esforço, atrasos se concretizaram e novos investimentos acabaram sendo adiados.
Impasses
Nesse meio-tempo, o Noroeste esteve no centro de um imbróglio jurídico por conta das disputas de terra com indígenas que ocupavam - e ainda ocupam - parte dos 247 hectares destinados às construções. A presença do chamado Santuário dos Pajés provocou uma série de conflitos, inclusive com índios e manifestantes favoráveis à causa impedimento o vaivém dos tratores.
Foto: Igo Estrela/ObritoNews/Fato Online
O bairro já tem 40 prédios, mas ainda está longe de se consolidar
Além disso, as primeiras intervenções no “bairro verde” foram alvo de denúncias feitas por órgãos ambientais. Por mais de uma vez, as máquinas tiveram de parar por ordens judiciais a partir de pedidos do Ministério Público.
Em ritmo bem mais acelerado do que o das obras de infraestrutura, os esqueletos começaram a ser erguidos ainda no primeiro semestre de 2011. Desde então, mesmo enfrentando a marasmomorra que tomou conta do mercado e provocou queda significativa de preço nas vendas de ágios, surgiram cerca de 40 edifícios de alto padrão, abrigando atualmente em torno de 8 mil moradores.
Ecológico?
Pela proposta do Noroeste - reconhecida até mesmo em premiações internacionais -, nenhum apartamento teria chuveiro elétrico. O uso do sistema de aquecimento solar de água seria obrigatório. A coleta por tubos de vácuo subterrâneos dispensaria caminhões de lixo no bairro. E a iluminação pública com lâmpadas de LED tornaria o sistema mais eficiente e econômico. Não bastasse, a água das chuvas seria reaproveitada e estacionamentos teriam pavimentação permeável, evitando problemas de erosão.
O conceito de bairro ecológico, porém, restringiu-se basicamente à lábia dos corretores que ganharam rios de dinheiro. Os projetos arquitetônicos contemplaram um ou outro item da ideia original, mas, de resto, o Noroeste se apresenta como um setor sem muitas diferenciações. Pelo contrário: o espaço ainda carece do básico, como boa parte da arborização, sinalização adequada e rede completa de captação de águas pluviais.
A estimativa do total de investimento público em infraestrutura no bairro chega a R$ 400 milhões. Nos últimos anos, o governo atribuiu a lentidão na implementação dos serviços aos impasses jurídicos em torno da ocupação da área. A não conclusão das obras do Parque Burle Marx talvez seja o exemplo mais sintomático dessa incontestável inércia.
Arte: Hilal Khaled/Fato Online
Maturação
Vencidos o alvoroço inicial e a atual fase de maturação, o bairro deve levar pelo menos uma década para ser concluído. Quando tudo estiver pronto, serão 209 condomínios, abrigando entre 40 mil e 50 mil habitantes, com predominância, espera-se, de famílias das classes A e B.
Os lançamentos mais recentes, no primeiro semestre deste ano, sustentaram um preço de metro quadrado entre R$ 10 mil e R$ 11 mil. Nas revendas por parte de quem desistiu do imóvel nos últimos dois anos, por exemplo, os preços praticados foram até 20% menores.
Na intenção de recuperar o status do Noroeste e cobrar agilidade no andamento de obras públicas, uma comissão da Ademi-DF (Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal) tem participado de reuniões na Terracap a cada 15 dias.
Comparação
Entre representantes do mercado e moradores, o alento é constatar que a situação, longe de ser a mais adequada, é muito melhor se comparada à do nascimento do Sudoeste, no início da década de 1990, quando o bairro ganhou os apelidos de “Barroeste” e “Sudolama”. Além de menos poeira, um dos avanços no Noroeste é a construção de dois acessos em cada quadra, para diluir o trânsito.
“Não há outro caminho: o Noroeste será um bairro exclusivo, um dos mais valorizados de Brasília”, segue apostando o diretor da Beiramar Imóveis e da ABMI (Associação Brasileira de Mercado Imobiliário), Pedro Fernandes. Ele acredita em uma constante valorização do setor, embora reconheça falhas até aqui. “Os empresários já colocaram bilhões de reais no bairro. Agora, o governo precisa fazer a parte dele”, cobra Fernandes, acrescentando que a trilha para caminhada construída no inacabado Parque Burle Marx foi patrocinada pelas próprias construtoras.
O governo do DF, por meio da Terracap, encaminhou uma nota oficial ao Fato Online elencando a situação das obras de infraestrutura no Noroeste. "A empresa tem como prioridade o Setor Noroeste", pontua o texto. Confira as principais informações:
Parque Burle Marx
As obras estão paradas. O TCDF (Tribunal de Contas do DF) determinou a suspensão dos serviços do sistema viário (vias, ciclovias, calçadas e estacionamentos) para auditoria, quando 60% deles estavam concluídos. A Terracap apresentou esclarecimentos e aguarda decisão do tribunal. Um novo projeto para o parque, elaborado pelo Ibram (Instituto Brasília Ambiental), está em processo de consulta pública.
Indígenas
Um termo de compromisso firmado entre Terracap, Funai (Fundação Nacional do Índio) e a comunidade indígena do Noroeste prevê a construção de uma reserva, com toda a infraestrutura necessária. O convênio que prevê o repasse financeiro está em fase final de assinatura do projeto, que será tocado pela Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil). Duas das 16 famílias ainda não aceitaram o acordo.
Sinalização
Embora o bairro já tenha 40 prédios e cerca de 8 mil moradores, ainda engatinha o convênio entre a Terracap e o Detran (Departamento de Trânsito) que liberará os recursos para a instalação de placas. Estuda-se a possibilidade de antecipar, em caráter emergencial, a sinalização em alguns pontos.
Paisagismo
Não há data marcada para o plantio dos 660 mil metros quadrados de grama previstos para a primeira etapa. O processo ainda está em fase de licitação. Também não há qualquer previsão para implantação do projeto completo de paisagismo do bairro, que inclui quadras poliesportivas, parques infantis, paradas de ônibus, quiosques, PEC’s (Pontos de Encontros Comunitários) e pistas de skate.
Água e esgoto
A Caesb (Companhia de Saneamento Ambiental do DF) ainda não concluiu as novas redes de água e de esgoto exclusivas para o Noroeste. As obras, segundo órgão, estão em fase de finalização, com previsão de serem concluídas ainda em setembro. A rede de esgoto depende de uma interligação definitiva com a Estação de Tratamento da Asa Norte.
Limpeza urbana
Ao contrário da coleta a vácuo prometida no início da comercialização, caminhões de lixo fazem a coleta no Noroeste como em qualquer outro bairro do DF. Registra-se a falta da retirada dos entulhos da demolição do chamado Sítio do Vovô. A contratação da empresa que será responsável pelo trabalho, informou o SLU (Serviço de Limpeza Urbana), ainda está em fase de elaboração do termo de referência.
Pavimentação e drenagem
A Terracap diz que a pavimentação da primeira etapa já está concluída. A Novacap é responsável pela manutenção do asfalto. As obras de drenagem ainda estão em andamento. Devem ficar prontas "antes do início das chuvas".
Iluminação pública
A CEB (Companhia Energética de Brasília) diz ter concluído a instalação de 311 postes e 422 luminárias, correspondendo a um investimento de R$ 1.195.015,06. As quadras internas da primeira etapa do bairro e a Avenida W7 já estão iluminadas.
TV Fato
• Video Link
http://fatoonline.com.br/conteudo/85...a&p=de&i=1&v=1