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Paradoxos do tombamento




Autor(es): Frederico de Holanda



Correio Braziliense - 25/03/2012











Arquiteto e professor aposentado da Universidade de Brasília

O tombamento de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade entra novamente em pauta, por ocasião da visita de técnicos da Unesco. Momento para um novo balanço. Decerto, há agressões a qualidades essenciais da cidade: sétimo pavimento nas superquadras, fechamento de pilotis, invasão do espaço, condomínios residenciais de alto luxo a aumentarem a privatização da orla do Lago Paranoá, verticalização da Vila Planalto etc.

Contudo, o tombamento de Brasília implica um aparente paradoxo: demasiado se proíbe e demasiado se permite, concomitantemente. As transgressões citadas são óbvias, e merecem atenção. Equivocadas, entretanto, são medidas tomadas em nome do tombamento, seja por ignorância do projeto original de Lucio Costa, seja por posições elitistas que desde sempre presidiram as políticas urbanísticas na capital federal.

Primeiro, as proibições. Há uma recorrente alergia para com a ocupação popular dos espaços públicos em Brasília. Combatem o comércio informal da Esplanada dos Ministérios, transferem os camelôs da Plataforma Rodoviária para um "shopping popular" (um previsível e retumbante fracasso), removem a Feira da Torre de TV do sopé do monumento, da colina artificial de onde se vislumbram as mais belas vistas da cidade, para uma área a oeste, menos privilegiada paisagisticamente e menos acessível. Os exemplos supostamente "feriam o tombamento". Supostamente.

Os casos ilustram a reinvenção cotidiana da cidade, particularmente por sua gente mais simples. Na Esplanada, os ambulantes realizaram, decerto sem saberem, uma ideia do próprio Lucio Costa para o lugar (nunca construída). Na Plataforma Rodoviária, a remoção foi drástica, na contramão do que se faz em qualquer grande cidade do mundo, brasileira ou não, onde aspirações e iniciativas populares são respeitadas: negocia-se com camelôs o legítimo direito que eles têm à urbe. Não aqui. Igualmente, a Feira da Torre de TV não agredia o patrimônio. A remoção agride, sim, a valorização internacionalmente conferida ao patrimônio imaterial – como o era a "feirinha" há mais de 40 anos – tanto quanto ao patrimônio material. Em Brasília, o entorno dos monumentos é tão melhor quanto mais deserto se apresentar.

Agora, a permissividade. Lugares privilegiados, como a orla do Lago Paranoá, que deveria ser de usufruto público, são ilegitimamente apropriados apenas pelo topo da elite. Legal? Sim, as brechas da lei estão aí para serem exploradas. A norma permite "clubes e hotéis de turismo". Foi o suficiente para maquiarem-se luxuosos condomínios fechados como "apart-hotéis". Não se trata, pois, de simplesmente obedecer à normativa, trata-se de corrigi-la onde ela é ambígua ou perversa. É o caso.

Continua a produção de uma cidade fortemente segregada socialmente: bairros somente para ricos ou somente para pobres, em vez de uma cidade onde diferentes camadas sociais possam se apropriar de cada um e de todos os seus bairros. Utopia delirante e ingênua? Não. O exemplo está na nossa cara, mas preferimos não ver: a Vila Planalto. A Vila tem quase precisamente a mesma estratificação social da metrópole brasiliense como um todo – famílias de diferentes poderes aquisitivos, morando, sim, em diferentes casas, lotes, quadras, ruas. Este é o ponto: a variedade edilícia corresponde à variedade social. Ignoram a Vila como fascinante exemplo a ser emulado em áreas de expansão urbana e permitem que pouco a pouco ela se descaracterize. O capital imobiliário está de olho nela, elevando os gabaritos, transformando antigas casas em edifícios de apartamentos de até quatro pavimentos. Pois bem, em vez de bairros assim, aí está o Bairro Noroeste. Nos textos sobre a fundação do bairro, ele era para a "classe média". Nos textos. O bairro será para os muito ricos. E não fere o tombamento.

Os paradoxos são, pois, aparentes. Nas proibições e na permissividade, a mesma e perversa lógica se revela: arrogante e elitista, quando não violenta (a história o registra). Mas toda lógica social pode ser revertida. Sempre.

Fonte: http://clippingmp.planejamento.gov.b...term=Brasília
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