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Old Posted Apr 26, 2017, 10:58 PM
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Produção de café de Brasília é uma das maiores do país


Xícaras simples de flandres. Um café passado no saco de pano e servido por uma adolescente goiana de cabelos castanhos, alguns cachinhos e vestido de seda. Era 1956 e o então presidente da República, Juscelino Kubitscheck, bebia, pela primeira vez, um cafezinho colhido, socado, moído e torrado em pleno Planalto Central. Ele e sua comitiva formada, entre outros, pelo engenheiro Bernardo Sayão, o então governador de Goiás, Juca Ludovico, e o médico Ernesto Silva aterrissaram na Fazenda Gama para conhecer as terras que viriam a abrigar um sonho. Dali, o homem alto e esguio vislumbrou a construção de Brasília, a nova capital do país. Anos se passaram, os planos e a cidade cresceram, bem como a produção brasiliense do fruto.

Em 57 anos, a produtividade do grão na capital se tornou uma das maiores do país. De acordo com dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater), no quadradinho colhe-se, em média, 60 sacas do fruto - cerca de 60kg cada – em um hectare. A média nacional é a metade. Contudo, em Brasília, se faz muito em um pequeno espaço. A área plantada no DF é baixa, sobretudo, se comparada à regiões de maior tradição no cultivo do fruto, como Minas Gerais e São Paulo. Um dos segredos está no uso de tecnologias e consultas para fazer a cultura render o máximo no menor terreno possível.

Para a administradora e barista Thamis Fontenelle, 36 anos, infância tem cheiro de café, ou mais precisamente, de torra de café. “Antes de termos a estrutura da torrefação, meu pai torrava na casa da fazenda, no fogão à lenha”, recorda. O patriarca, Eurípedes Fontenelle, começou a plantar os primeiros pés do fruto em 1993 na Fazenda Santa Rosa, à margem da BR-251 (Brasília - Unaí), na região do Programa de Assentamento Dirigido do DF (PAD-DF). Ele trouxe alguns grãos de Goiânia, da propriedade de um tio.

“Ele sempre foi um apaixonado por terra e pela lavoura”, conta a filha. No início, o agricultor produzia na propriedade e vendia para cooperativas. Com o passar dos anos, no entanto, notou que a cultura poderia expandir - a terra argilosa e o clima da região contribuem para o plantio. Eurípedes contratou consultores especializados e investiu em tecnologia para produzir um café de alta qualidade. Surgia a marca: Café Fontenelle. “Ele escolheu o sobrenome da família como forma de atestar esse valor e passou a focar a distribuição no mercado de Brasília para elevar o consumo na capital”, explica Thamis.

Com empenho e cuidado, Eurípedes pôde acompanhar o crescimento e a formação dos dois amores: a lavoura e a família. Até que, em 2004, um infartou surpreendeu os Fontenelle e, por um momento, após a morte do patriarca, Thamis, que já trabalhava com o pai, pensou em colocar um ponto final na produção. “Continuei não só por ele, mas, quando vi, havia se tornado minha paixão e meu sonho também”, justifica. A única modificação que a família fez foi vender a fazenda, mas o novo dono continuou produzindo os grãos, que se tornaram o primeiro café gourmet brasiliense.

Casada e mãe de três filhos, Thamis herdou a dedicação do pai e acompanha de perto todas as etapas da produção do Café Fontenelle. De segunda a sexta-feira, ela fica no escritório da empresa no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) - ponto físico na cidade para receber os clientes e mostrar as possibilidades da bebida - e, uma vez por semana, visita a fazenda para certificar o que sai dali. O trabalho e essa energia, que Thamis brinca dizer que vem do café, rendeu diferentes resultados para a marca.

Além do produto gourmet, eles disponibilizam no mercado o café Nosso Cerrado e abriram uma marca específica de máquinas de café – Tazzamaq. “Meu pai sempre foi um visionário. Acho que está orgulhoso de tudo o que construímos. Estamos atingindo as metas da empresa”, afirma a filha.

A Fazenda Santa Rosa e os Fontenelle produzem uma bebida 100% arábico e 100% brasiliense e só mandam para o mercado os melhores grãos. No Distrito Federal, o café é vendido em mais de 150 restaurantes, cafeterias, docerias e mercados. O objetivo é mostrar aos empresários da cidade que vale a pena tomar um café produzido aqui e de qualidade. “Nosso produto não perde para nenhum outro e, ao associar duas empresas brasilienses, fortalecemos a capital”, comenta Thamis.

Pela internet, o Café Fontenelle já foi exportado para outras regiões e estados, como Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Até para a França Thamis conta que enviou uma remessa. “Uma família de lá com o mesmo sobrenome que o nosso nos achou e fez o pedido”, lembra.

A administradora e barista ressalta que o setor tem dificuldades e obstáculos. “Mas, hoje, as pessoas têm dado mais valor”, acrescenta. O aumento de cafeterias em diferentes pontos da cidade é vantajoso, porque aumenta o padrão de consumo. “O paladar do brasiliense é exigente, requintado e curioso. São pessoas que viajam e veem coisas novas”, descreve. E Thamis, assim como o pai, sempre confiou no valor do seu produto. “Café é como vinho. Você não vai ter o melhor café, são tipos diferentes. Nós levantamos a bandeira da nossa terra, da nossa região e do frescor do café produzido aqui”, afirma. Por fim, ela brinca: “Minha avó costuma dizer que o melhor café é aquele que você gosta e eu adoro o café que fazemos aqui”.


Alta qualidade

A cultura do consumo da bebida e das charmosas cafeterias brasilienses despertaram o faro empreendedor de dois jovens amantes do café: João Pedro Lopes de Freitas, 27 anos, e Bebel Silva Hamu, 31. Há menos de um ano, os dois abriram o AHA! Cafés, uma microtorrefação artesanal do grão no início da Asa Norte. Nada de grandes galpões e muitas máquinas.

A empresa tem um único equipamento que João Pedro aprendeu a dominar com a prática. O que toma conta do espaço são as sacas de café especial – café com características sensoriais, classificados positivamente pelo aroma, corpo, acidez, equilíbrio e sabor. “Trabalhamos com grãos do Brasil inteiro. Recebemos amostras de vários produtores e selecionamos pela qualidade. Aqui tem café da Bahia, do Espírito Santo e das regiões de Mococa e da Alta Mogiana, em São Paulo”, explica.

Os dois escolheram o seguimento da torra artesanal e mais minuciosa por várias razões. Para aproximar o estilo das cafeterias de Brasília, para ser o elo entre a venda e o produtor, algo que faltava no Distrito Federal, além de ser o setor que tem contato com toda a cadeia produtiva do café.

O AHA! Cafés também foca nos pequenos produtores e nos orgânicos. “Meu maior sonho é quanto a qualidade do café. Queremos que todo o potencial dos produtores seja reconhecido e que tenha um reconhecimento da nossa terra, quanto ao trabalho dessas pessoas. Queremos contar as histórias deles por meio da qualidade que tanto prezam”, conta João. Por isso, os jovens querem crescer devagar e com calma.

Nem Bebel nem João são brasilienses de sangue. No entanto, os dois adotaram a cidade como casa. “Me considero mais brasiliense que outra coisa. Gosto muito daqui e me identifico mais com a cidade”, comenta João. Ele já trabalhava com a produção do fruto e também passou a infância correndo no meio das plantações de café do pai. Diferentes gerações da família plantam o grão há anos no interior de São Paulo. “Apesar da minha região, da Alta Mogiana, ser mais desenvolvida na produção, não tem um consumo ou desenvolvimento na cultura da ponta do café. O público e o estilo de Brasília são mais propícios para isso”, justifica. Foi Brasília também que apresentou o café especial para João, quando ele trabalhou como barista em uma cafeteria brasiliense.

Pela experiência, ele conta que o pai nunca quis trabalhar com a plantação de cafés especiais por desconhecer o mercado e esse receio os sócios também notaram entre alguns produtores do Planalto Central. Bebel tem desenvolvido um trabalho junto com os cafeicultores da região a procura da produção artesanal do DF e dado um retorno para aprimorar o plantio. “Brasília tem potencial por ser um espaço mais novo. Os produtores são mais novos e o fato de não ter tradição ajuda a começar a fazer algo diferente”, avalia.


Pai e filha

O gaúcho Waldemar Cenci, 59 anos, saiu de Putinga para plantar sonhos em território brasiliense. Chegou em 1984 e decidiu investir na agricultura. Primeiro, apostou nas lavouras de soja e arroz, na área rural de Planaltina. Há cinco anos, trouxe o sabor e o cheiro do café. Da plantação, o agricultor colheu duas safras até agora. A primeira em 2014 e a segunda em 2016. Na média, foram 75 sacas por hectare. Para Waldemar, o grão é um ciclo. Em um ano, a produção é boa, no outro é ruim. Contudo, destaca a produtividade do cultivo como ponto forte e afirma que só não planta mais por causa da falta de água.

O café produzido por Waldemar na Fazenda Yanoama é vendido a negociadores do grão e segue para outras unidades da Federação, onde é torrado e vendido com cafés de várias partes do país. Uma das marcas que usa o fruto do agricultor é a Estrela Dalva, de Formosa (GO). Mas o gaúcho almeja, ainda sem prazo, fazer todo o processo dentro da própria fazenda. Na empreitada, conta com a ajuda da filha e agrônoma, Camila Cenci Baron Quevedo, 27. A ideia de Camila é criar uma marca da família, por isso contratou um consultor que ajuda com dicas para o grão ser cada vez mais puro.


Orgânicos

Foi no quintal de casa, um terreno localizado no Lago Oeste, que uma plantação experimental de 300 pés cresceu para 5 mil e se transformou no café 100% orgânico Lote 17B. Há 10 anos, o médico José Adorno, 57 anos, deixou o amor pelo fruto falar mais alto e começou, na chácara onde mora com a família, o cultivo do grão. No início, nada sabia sobre a bebida, mas encarou o desafio e estudou bastante. Hoje, produz um grão orgânico, arábico, da variedade IAPAR, sombreado por bananeiras e outras árvores frutíferas.

O processo desde a plantação até a embalagem ocorre na chácara. A colheita e a seleção são manuais e a secagem, híbrida, em terreiro suspenso e estufa. Tudo sob o olhar minucioso e apaixonado do médico, que aos finais de semana toca a lavoura. Para o futuro, Adorno quer passar esse encantamento aos outros. Ele pretende transformar a propriedade em um ponto de encontro dos amantes da bebida, onde possam conhecer todo o processo e degustar o café fresquinho.

Após participar da Feira Internacional do Café, em Belo Horizonte (MG), em 2014, o matemático Márcio Jório teve a ideia de embalar o café que produzia há quase 20 anos para máquinas de expresso. No evento, ele conheceu o trabalho de uma empresa portuguesa que trata o pó de cafés orgânicos. Márcio passou, então, a enviar o produto à unidade da multinacional europeia em Ribeirão Preto (SP). Ele é o primeiro produtor de café orgânico do DF certificado vendido em cápsulas.

A bebida entrou em sua vida, após o início da aposentadoria, em 1997. Márcio pediu ajuda a um agrônomo para investir na produção e agregar valor ao produto. Comprou uma máquina que permitia torrar e descascar todos os grãos, e ainda providenciou as embalagens. Da lavoura do matemático, nasce o Café Serrazul, bebida gourmet, com aroma e sabor suaves, além de saudável, produzida também no Lago Oeste. São mais de 2 mil pés, em uma área de 1,5 hectare. Márcio não se preocupa tanto com a produtividade do cultivo – a plantação rende 20 sacas por hectares -, ele presa por tirar do solo o melhor resultado possível.

A poda dos pés e a casca do café são moídos e voltam para o solo. A escolha do grão a ser processado é manual, como se cata o feijão. Só vão para a torra os de primeira qualidade. Para garantir um sabor diferenciado, o agricultor investe ainda em outra técnica: a do descansado. Ele ensaca os grãos com casca, após a secagem, por um ano. Nesse período, o grão absorve os açúcares naturais presentes na poupa e reduz a acidez da bebida.

Fonte: http://www.expressomt.com.br/noticia...do-pais/465731
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