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Old Posted Dec 18, 2022, 5:18 AM
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Só pode ser de um jornalista de viés político. Não satisfeito em dar palpites no DF, agora quer extrapolar sua atuação.

Moradia: a hora da “alphavillezação” do Entorno do DF


No Distrito Federal, o padrão de morar em residências e não em apartamentos é visto como um elemento de qualidade de vida, segurança, de desfrute de momentos únicos de lazer. Por isso, condomínios fechados de casas são um modelo de habitação almejado pelos brasilienses. Focado nesse nicho de mercado, projetos imobiliários inspirados no empreendimento paulista de Alphaville começam a ser ofertados nos municípios goianos circunvizinhos.

Por Chico Sant’Anna

O brasiliense assiste atônito ao anuncio de vários novos bairros. É o do Jóquei, o Pátio Rodoviário, uma nova quadra no Guará, outra no Sudoeste ou mesmo uma cidade inteira ao lado de Sobradinho. Os anúncios oficiais – embora algumas iniciativas sejam privadas – transparecem falta de planejamento de médio e longo prazo para a ocupação racional e ordenada do solo urbano. Isso sem falar nas ocupações irregulares. O que se vê são medidas isoladas pululando na mídia. A falta de uma visibilidade do planejamento de longo prazo assusta e incentiva a especulação imobiliária. Os espaços estão ficando escassos, tanto para quem tem renda, quanto para quem não tem recursos para morar. De olho nesse cenário, o setor imobiliário olha para além fronteiras e já começa a lotear áreas do Entorno mais próximas do Plano Piloto. A proposta segue a referência do empreendimento paulista Alphaville. Cidades, bairros murados, cercados como fortificações e, de certa maneira, autônomos em relação à vizinhança, nem sempre do mesmo padrão social. É a “alphavillezação” chegando com toda força ao Entorno do DF.

Sonho de consumo

O padrão de morar em residências e não em apartamentos é visto como um elemento de qualidade de vida, segurança, de desfrute de momentos únicos de lazer, diz o advogado e diretor do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Distrito Federal (Creci-DF) Diego Gama. Por isso, segundo ele, no DF, os condomínios fechados de casas são um modelo de habitação almejado pelos brasilienses, porém muitos sofrem, há várias décadas, em decorrência de eles terem sido implantados de forma irregular, deixando os moradores em situação de insegurança jurídica. De 980 mil domicílios, apenas cerca de 600 mil têm matrícula em cartório, diz o advogado.

De olho nessa preferência do consumidor e na falta de áreas para empreender no quadradinho do DF, a saída é atravessar a divisa e Valparaíso de Goiás, pela curta distância e disponibilidade de terra, é a candidata da vez. A cidade, assim como Novo Gama e Cidade Ocidental, surgiu da pressão imobiliária nos anos 80, ainda quando era área rural do município de Luziânia. Na época, empresas como Encol, Economisa e Construtora Ocidental deram início à construção do que ainda eram bairros de Luziânia. O modelo era mais aberto, sem apartar quem morava dentro dos de fora dos empreendimentos. Os bairros cresceram e viraram cidades. Em torno deles, surgiram ocupações de padrão inferior, como Céu Azul, Lunabel, Jardim ABC, dentre outros.

Entorno do DF

Segundo o urbanista Frederico Flósculo, em poucas décadas o eixo Unaí-Luziânia, incluindo o DF, é claro, estará conurbado e contará com uma população de 8 milhões de habitantes. O que no passado foi área para abrigar uma migração descontrolada dos “expulsos de Brasília”, agora é vista como o promissor e sofisticado produto do mercado imobiliário. O que poderá, no futuro, expatriar para mais longe quem não tiver a renda no novo padrão imobiliário.

Empresas projetam para ali o nascedouro de um padrão de moradia semelhante ao que ocorre nos subúrbios de grandes metrópoles dos Estados Unidos. Um único projeto de bairro planejado, com condomínios fechados, em implantação em Valparaíso de Goiás, envolve dois milhões de metros quadrados. É o que os urbanistas denominam de “fenômeno da alphavillezação” chegando ao Planalto Central. Professor Aldo Paviani, da Universidade de Brasília, avalia que estão criando novos “feudos de pessoas abastadas em diferentes formatos de posses. Para os pobres, os portões só serão abertos se for para trabalhar como empregados e subalternos.”

“Dependendo da forma como é executada, essa modalidade residencial pode representar uma nova forma de segregação social nas cidades contemporâneas, uma vez que fazem parte de uma categoria de novos empreendimentos urbanos denominados ‘enclaves fortificados’” -, comentam os acadêmicos Josué Mastrodi e Marcela Falsoni, da PUC Campinas, que estudaram as consequências de Alphaville. Eles salientam que na maioria dos municípios brasileiros esse formato de moradias tem sido regulamentado legalmente, porém “o formato adotado tem sido extremamente benevolente com os promotores imobiliários e pouco tem se preocupado com o planejamento democrático das cidades”.

É isso que se viu no Distrito Federal, quando os condomínios fechados erguidos irregularmente sobre terras públicas obtiveram a autorização de continuarem murados e com guaritas para controle de quem entra ou sai. Porém, não abriram mão de ter o serviço de limpeza urbana – pagos por todos os contribuintes do DF – entrando em suas vias internas para coletar o lixo. Ou seja, posicionamentos ambíguos: de um lado, não abrem mão dos serviços públicos mas, de outro, querem ter a benevolência de ser tratado como espaço privado com acesso controlado.

Marketing imobiliário

O uso desse modelo já se transformou em uma estratégia de marketing imobiliário, pois essa privacidade é um dos atrativos que atiçam futuros moradores. No caso de Valparaiso, no interior do condomínio, haverá quatro parques e um cinturão de 500 mil metros quadrados de áreas verdes formados por vales e bosques, sem que tais equipamentos possam ser desfrutados pelos cidadãos não residentes. Apenas os moradores. “Isso espelha o uso eminentemente privado do território urbano por meio da proliferação de condomínios e loteamentos fechados” – comentam os dois acadêmicos.

Assim mesmo, no Entorno do DF, o sucesso de tais empreendimentos demandará elevados investimentos do Poder Público. A chamada conurbação entre Brasília e os municípios circunvizinhos caminha a passos largo. A prevalecer essa proposta de grandes e refinados projetos habitacionais, o incremento da população do Entorno Sul demandará investimentos elevados: redes de água, esgoto, luz, vias de acesso. “Não haverá recursos públicos para todos. Eu defendo que Goiás e o DF criem a Área Metropolitana de Brasília com apenas treze municípios – Brasília e 12 periféricos – que teria um ente metropolitanos para gerir os serviços comuns, pois eles são o resultados de diferentes ondas de expulsão de população do DF para as fímbrias externas” – comenta Paviani.

Há ainda e, talvez o problema mais complexo, a questão da mobilidade interurbana. Os ônibus já não dão conta mais dos 500 mil passageiros/dia que buscam estudo e trabalho em Brasília. Nos horários de pico, a BR-40 apresenta engarrafamentos que se iniciam nas cidades goianas e só terminam ao chegar ao Plano Piloto e vice-versa. Tudo indica que a saída é o transporte sobre trilhos, mas há décadas os governos de Goiás e do DF relutam em adotar essa solução. Há de se ressaltar que os subúrbios norte-americanos só se transformaram em refúgio da classe média por contar com trens regionais, resta saber o que acontecerá por aqui. Vão optar por mais uma faixa de trânsito e mais viadutos?

Fonte: https://chicosantanna.wordpress.com/...entorno-do-df/
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