Paris sem escalas
Voo direto para a capital francesa barateia passagens, diminui o tempo de viagem e aumenta a chance de o brasiliense conhecer ou rever um dos destinos mais belos do mundo
Renata Espíndola e Flávio Bianchi: o casal mata a saudade da terra dos cafés e bistrôs no Daniel Briand (Foto: Roberto Castro)
28.mar.2014 12:39:31 | por Lilian Tahan e Ullisses Campbell
Em 25 de agosto de 1959, o então secretário de Cultura do governo francês, André Malraux, esteve no Brasil — precisamente no canteiro de obras que abrigaria, dali a alguns meses, a nova capital do país. Veio para o lançamento da Aliança Francesa. Ao discursar, exaltou a nossa cidade e cunhou o bordão “Capital da Esperança”, até hoje apropriado para traduzir Brasília. Naquela ocasião foi posta a pedra fundamental do intercâmbio entre as sedes políticas do Brasil e da França. Cinco décadas e meia depois, um laço deixará a relação entre ambas mais estreita. A partir desta segunda (31), o gigante da aviação Air France passa a operar três voos semanais (às segundas, quartas e sextas) do Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Kubitschek à Cidade Luz. Com essa nova porta de saída, o brasiliense poderá chegar a Paris evitando conexões turbulentas, pagando menos e percorrendo uma distância menor.
Quem escolher a rota estreante da Air France viajará a bordo do Boeing 777-200, um dos maiores e mais confortáveis aviões do mundo. Com capacidade para 309 pessoas — equivalente à lotação de duas salas de cinema do ParkShop-ping —, os voos estão programados para decolar às 22h40 e chegar às 14h20 (horário de Paris) do dia seguinte. São dez horas e quarenta minutos de viagem, o que representa uma economia de, no mínimo, quatro horas de traslado para o brasiliense, antes forçado a fazer escalas em outros aeroportos. É tempo suficiente, por exemplo, para subir à Torre Eiffel ou dar uma volta pelo Museu d’Orsay.
O inédito caminho até Paris pode ser com ou sem glamour. Até quinta (27), os bilhetes de ida e volta mais baratos para uma temporada de sete dias custavam 3 135 reais. Estamos falando da classe econômica. O setor abriga até 250 pessoas em assentos de 45 centímetros de largura e cerca de 80 centímetros para acomodar as pernas. As de Gabriela Berlin, por exemplo, podem ficar espremidas. A operadora de viagens tem 1,80 metro e sofre quando vai ao exterior na classe econômica. Como outros 79 colegas de profissão, a agente de turismo recebeu convite da Air France para o voo inaugural. Lá, pretende conhecer museus, castelos e uma região vinícola, além de fazer programas clássicos, como uma visita ao Louvre, um passeio às margens do Rio Sena e até uma esticada na Riviera Francesa. A passageira só não sabe ainda se o presente lhe dá direito a um lugar na ala mais luxuosa do avião ou se terá de se apertar no terceiro compartimento. “Sempre viajo de executiva, é muito mais confortável”, recomenda Gabriela. Para quem se vê obrigado a pagar pela passagem, como a maioria dos mortais, o preço é salgado. Uma simulação da compra de ida e volta feita na quinta (27) oferecia passagens nas confortáveis poltronas por 12 612 reais. No ambiente exclusivo, o toque em um botão transforma o assento em uma cama de 2 metros de comprimento por 61 centímetros de largura. Durante o voo, o passageiro da privilegiada área terá direito a beber dois bons tipos de champanhe e de vinho. Todos franceses, é claro. Para acompanhar, queijos camembert e comté. Os pratos quentes são assinados por Régis Marcon, chef francês com três estrelas no Guia Michelin. Entre as opções de jantar, filé ao molho béarnaise, galinha-d’angola com mel ou camarão sauté ao gergelim. Na classe econômica, é frango com polenta mesmo. Para sobremesa, bolo de cacau na executiva — porque fatia de chocolate é coisa dos menos abastados.
Gabriela Berlin: malas prontas para embarcar (Foto: Roberto Castro)
Mesmo o cardápio mais bem elaborado, no entanto, não aparece como critério de escolha para o maior confeiteiro francês radicado em Brasília. Daniel Briand está acostumado com as delícias de Paris. O que ele espera da nova rota é chegar à sua cidade natal em menos tempo. Há dezoito anos, Briand mantém um dos cafés mais reconhecidos e procurados da cidade, uma ponta do comércio da 104 Norte que foi transformada num cantinho tipicamente europeu. Apesar do longo tempo da casa, muitos clientes ainda se espantam quando chegam ao local e dão de cara com as portas fechadas em pleno turno de funcionamento. O motivo é o mesmo de sempre: em janeiro e julho, o confeiteiro passa a chave no estabelecimento e viaja com a mulher, a brasileira Luiza Venturelli, para Paris, onde deixou o filho e muitos amigos. Até então, ele comprava os bilhetes da TAP, a primeira companhia aérea a operar voos diretos entre Brasília e Europa. O percurso da empresa portuguesa para a França faz conexão em Lisboa. “Odeio escalas. Prefiro até pagar mais caro e diminuir o meu tempo de voo”, diz Briand. Antes de chegar à capital, ele nunca imaginou morar em um país tropical. Até se apaixonar por Luiza, professora da Universidade de Brasília. Em viagem a Paris, onde cursou um mestrado em fotografia, ela acabou se matriculando numa oficina de fim de semana para aprender a elaborar croissants. As aulas eram ministradas por Briand. Os dois se mudaram para cá e montaram o café parisiense por aqui. Quem também divide a rotina entre a W3 e a Champs Élysées é o casal Fernando e Nádia Coelho. Ele e os filhos gêmeos, Alexandre e Eduardo, são donos do L’Entrecôte de Paris, na 402 Sul. A família chega a viajar para a França quatro vezes ao ano. O roteiro faz parte dos ossos do ofício. Por lá, eles pesquisam ingredientes para aprimorar o cardápio local. Atento à facilidade de chegar à Cidade Luz economizando tempo, Coelho prefere fazer uma viagem sem paradas. “Essa alternativa vai facilitar os meus negócios”, diz. O proprietário do restaurante cuja decoração é toda inspirada na terra de Napoleão pagou 3 900 reais pelas passagens de ida e volta. Não fazia ideia de que os preços, poucos dias depois, cairiam.
A classe econômica da aeronave: a tendência do mercado é a redução nos preços (Foto: Divulgação)
Essa movimentação das tabelas de valores é uma tendência de mercado muito comum quando há quebra de monopólio. No caso, a TAP e a TAM, esta com conexão no Rio ou em São Paulo, eram as duas únicas companhias que operavam voos para a França a partir do Aeroporto JK. Com a rota direta da concorrente, a TAP reduziu os bilhetes de ida e volta de 3 515 para 2 809 reais a cinco dias do voo inaugural da Air France. Para se manter competitiva, a TAM também diminuiu o preço do mesmo trajeto: de 3 517 para 2 708 reais. Os números são referentes à permanência de sete dias, em classe econômica, sempre partindo do JK. A nova opção também dá a chance de o brasiliense escolher o tipo de tratamento que espera receber. VEJA BRASÍLIA conversou com vários operadores de turismo que vendem tíquetes para as três empresas. É consenso entre eles que os funcionários da Air France não lideram o ranking dos mais afáveis com os passageiros. Os mesmos agentes também reclamam da falta de traquejo da companhia no atendimento pós-venda. Quando é preciso remarcar um bilhete ou alterar trechos, por exemplo, eles são irredutíveis na cobrança da tarifa. “Outras companhias levam em conta a fidelidade do cliente e o valor pago para abonar a taxa de remarcação. Em geral, conseguimos negociar”, diz um operador que prefere não se identificar.
Em entrevista exclusiva a VEJA BRASÍLIA, o presidente mundial da Air France, Frédéric Gagey, falou sobre a expansão dos negócios no Brasil e a busca por laços mais estreitos com operadores e passageiros daqui. “Procuramos sempre nos adequar ao mercado que servimos. Neste caso, teremos, pelo menos, três pessoas da tripulação falando português.” Segundo Gagey, além de oferecer mais comodidade aos brasilienses, a nova linha vai atender passageiros de outras cidades, como Goiânia, Belo Horizonte, Manaus e Belém. “Escolhemos Brasília pelo fato de ser a terceira cidade-chave do país. A capital passa a estar conectada, a partir de Paris, a mais 232 destinos da Europa e da Ásia”, informa.
Fernando Coelho (no centro) e seus filhos gêmeos, Alexandre e Eduardo: a família viaja a negócios quatro vezes ao ano para a Cidade Luz (Foto: Michael Melo)
A viagem sem escalas para Paris é o sétimo roteiro internacional non-stop que decola do JK. Atualmente, há opções para Atlanta, Miami (operada por duas companhias), Lisboa, Buenos Aires e Panamá (veja acima o quadro "Por dentro do Boeing 777-200"). O aeroporto de Brasília é o quarto do país em quantidade de voos para o exterior. Embora entre os maiores, ainda estamos a muitas milhas de distâncias do campeão, Guarulhos, onde há 121 rotas estrangeiras, ou mesmo do Galeão, com 44. “Quando uma companhia de grande porte começa a operar um novo destino, atrai outras empresas. A tendência é surgirem mais alternativas internacionais”, diz Alysson Paolinelli, presidente do consórcio Inframérica, administrador do JK. Um dos destinos em negociação é Singapura, no Sudeste Asiático, com escala em Viena.
Quanto mais alternativas, melhor para o casal Renata Espíndola e Flávio Bianchi. Eles adoram passar as férias fora do Brasil. Na lua de mel foram a Paris. Em uma programação que incluiu o Museu do Louvre, Les Invalides e a Place de la Madeleine, a dupla trouxe de lá um presente para a vida toda: o primeiro filho. Com a possibilidade de voos mais baratos e menos demorados, o casal pretende ganhar o mundo. Milhares de outros brasilienses compartilham esse sonho.
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